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sábado, 14 de junho de 2008

A incompletude dos seres



Analisando de maneira minuciosa a vida, os fatos, as pessoas e, adentrando ao mesmo tempo no mundo real e no nosso mundo imaginário, não é possível não esbarrar em um sentimento de incompletude, de algo que nos falta, um sentimento de que nada está completo. Essa não é uma discussão sobre a busca da perfeição, mas uma divagação sobre o ser humano tal qual é: cheio de deformidades. A mim, ocorre-me constantemente a sensação que faltam pedaços nas pessoas ou em mim mesmo como se figuras recém saídas de um quadro de Dali saíssem pelas ruas a caminhar com corpos despedaçados. É um sentimento estranho, sentimento de que sempre há algo faltando e que o ser humano em si não é simplesmente imperfeito como descreve a Bíblia. O ser humano não é “pecador”, uma vez que o conceito de “pecado” é inexistente para mim e relativo mesmo para quem o considera. Ao ser humano em geral e mesmo de maneira individual, faltam pedaços que não o deixam se sentir “completos”. E eles na verdade não o são. Há uma eterna busca por nossos pedaços e isso nos traz um constante sentimento de “incômodo”. Alguns grandes filósofos e artistas já tentaram suprir essa incompletude com teorias ou histórias, mas são mais felizes e realistas aqueles que simplesmente a descrevem ... não acredito que ela seja alcançável, ela é mais difícil que a imperfeição e, parafraseando Milan Kundera, se fosse possível seu alcance, esse seria insustentável.
Eu me sinto incompleto de uma forma gigantesca, como se a própria consciência da incompletude já fosse um indício para que essa fosse maior e mais incompreensível. Em mim a incompletude se manifesta ainda no não-pertencimento e isso é uma constante. Como é difícil olhar dentro de si mesmo e perceber que sentimentos que supúnhamos ter ou pertencer não são suficientes e que mesmo que o desenvolvêssemos, haveria sempre mais a criar ... eu me sinto às vezes como o gigante Atlas, carregando o mundo nas costas ou por vezes como os personagens de “O mágico de Oz”, à procura dos seus pedaços que eles julgam necessários, mas que não estão ao seu alcance.
A vida do ser humano segue então como a eterna busca se seu Santo Graal pessoal, seu pedaço perdido ou nunca adquirido. Alguns pensam supri-lo das mais diversas formas, mas essas não são mais do que formas de incluir próteses temporárias, enquanto seus verdadeiros pedaços não estão na verdade consigo. E permanece ainda o sentimento de dilaceramento constante, onde a incompletude se manifesta e ao fim, percebe-se que a busca por supri-la é em vão, já que ela é inata e é talvez a característica mais marcante que faz do ser humano diferente dos animais. Somos incompletos e quanto a isso não há o que discutir. Como humanos, porém, seguimos em nossa busca por nossos pedaços, como se a estrada de tijolos amarelos nos levasse até a Cidade Esmeralda, onde os pedaços que nos faltam estivessem todos a serem encontrados. Não podemos esquecer por fim que, tanto a eterna busca quanto a esperança são também inatas ao ser humano. E sigo ainda com o sentimento de incompletude, como se o texto também não tivesse fim ... já que é por si só incompleto. Sou humano!

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