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sábado, 28 de abril de 2007

Pensando em Anne Frank


Relendo hoje alguns textos escritos há algum tempo, me deparei com um texto que escrevi há dois anos e cujo tema central era Anne Frank. Escrevi sobre ela e sua maneira singular de ver o mundo e as profundas marcas que esse livro deixou em mim. Eu li o diário na adolescência, há alguns anos e essa obra se tornou uma referência na minha vida. À despeito da minha profunda admiração pelo povo judeu e pelas minhas convicções pacifistas, a figura humana de Anne me imprecionou. Anne faz qualquer pessoa querer viver mais e lutar pela vida, mesmo que se tenha tão poucas esperanças. E aqui vão minhas impressões ...



“Quem tem coragem e fé nunca perecerá na miséria”. Assim escreveu Anne Frank alguns meses antes de ser capturada e enviada ao campo de concentração de Bergen-Belsen. Essa mensagem de fé esperança deixada pela garota judia que por dois anos se escondeu com sua família em um sótão em Amsterdã por conta da perseguição nazista aos judeus, me faz sempre refletir sofre a vida e o seu real sentido. Por maior que fosse seu sofrimento físico e psicológico Anne se manteve firme até o último momento. Sua vida foi, acima de tudo, um exemplo de que não importa o quão grande possam ser os nossos problemas, há sempre uma outra maneira de agirmos face a eles.
Li O diário de Anne Frank inúmeras vezes e a cada nova leitura descubro mais coisas sobre essa incrível garota. Anne viveu há mais de 60 anos, mas seu drama permanece atual e universal. Quantas Annes não existem em Cabul, Bagdá, Grozny ou Sarajevo? Quantas pessoas que, mesmo não passando pelo que Anne passou não se identificam com ela e sua maneira extremamente humana de se portar perante a vida?
A primeira vez que li o diário foi há dez anos e desde então a história de Anne Frank vem influenciando muito o meu modo de encarar a vida. Eu me pego às vezes pensando como Anne agiria diante desta ou daquela situação. Quando tenho problemas reais, ou como na maioria das vezes, luto contra meus problemas imaginários, eu penso em Anne Frank. Como se entregar diante de tal situação que nada representa comparado ao que Anne passou? Uma garota que teve sua adolescência roubada em função de sua origem e religião e passou dois anos trancada em um sótão, sendo posteriormente morta em um campo de concentração? Anne vem influenciando há décadas milhões de pessoas em todo o mundo, iluminando a todos com a sua força vital.
O diário de Anne Frank é merecidamente reconhecido como o registro mais importante da Segunda Guerra Mundial. Entre os vários diários recolhidos entre os sobreviventes do Holocausto, o de Anne se destaca pela realidade com que os fatos são narrados. É difícil não se imaginar no “Anexo Secreto”, como Anne chamava o sótão, diante da clareza com que cada pessoa ou situação é por ela retratada. Ë difícil não se identificar com essa pessoa fascinante, que, a despeito de ser uma adolescente judia perseguida, relatou seu drama de uma maneira universal. É difícil, por fim, passar imune às mensagens deixadas por Anne, dentre as quais se destaca aquela que a define muito bem, que mostra o porquê de sua força para viver diante das situações mais adversas: “Quem tem coragem e fé nunca perecerá na miséria”.



Shalom



By: Carlos Eduardo de Oliveira Ramalho

sexta-feira, 20 de abril de 2007

O papel em branco ...


O papel em branco ...

Eu me incumbi de escrever um novo texto a ser postado essa semana ... me deparei com a folha em branco (na verdade, tela em branco) e com a cabeça sem idéias sobre o que escrever. Pensei: Meu Deus! Se para um mero texto a ser postado já surgem a dúvida e a necessidade de inspiração, passo a admirar ainda mais os grandes escritores pela sua genialidade e persistência. Que o digam Guimarães Rosa com sua prosa-poética, Fernando Pessoa e seus heterônimos ... Deus do céu! Eles eram realmente gênios! Alguns seres humanos deveriam ser definitivamente imortais ...


"Contemplo o lago mudo"


Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece,
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.

O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo.
Não sei se sou feliz
Não sei se desejo sê-lo

Trêmulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?

Fernando Pessoa, ele mesmo (em 14-08-1930) in: "Mensagem"


Citando Fernando Pessoa, me lembrei de um poema magnífico dele, daqueles que não se sei explicar a razão, mas mexem profundamente comigo ... confesso que mesmo na faculdade nunca fui um grande amigo da poesia em si, mas alguns poemas são magnificamente compostos e a despeito de qualquer análise ou teoria conseguem tocar a alma de quem o lê (que me importam o que dizem os críticos a respeito)
Ao ler esse poema pela primeira vez me senti transportado a um outro lugar ... não vi nada daquilo que as teorias me pediam para ver, só me enxerguei ao longe ... como se observando a mim mesmo. Não sei descrever o que vi, mas me senti bem, como se o conceito abstrato de felicidade não mais significasse, como se ele nem mesmo existisse. E contemplando o lago mudo, vou construindo meu próprio mundo, de sonhos e realidade, mas meu mundo onde a felicidade tal qual foi até hoje perpetuada é persona non grata ... onde ser feliz pode ser simplesmente nada e não tudo ... caindo no lugar comum, onde a felicidade realmente estão nas pequenas coisas do dia-a-dia ... e aí que me vejo contemplando o lago mudo e sentindo a brisa soprar ...


E o papel em branco deixa de existir ... isso me dá uma leve sensação de felicidade!

By: Carlos Eduardo de Oliveira Ramalho

domingo, 15 de abril de 2007

Pequeno manual de entendimento do mundo



Ainda estou me perguntando o que eu postaria em um blog ... com certeza coisas que eu escrevesse ou achasse interessante de se divulgar. Como primeiro "post" seria bom tentar mostrar um pouco como sou. Então, escolhi um texto meio tortuoso que escrevi há algum tempo que mostra um pouco a minha visão do que é o mundo ... ou do que ele não é ... voilà!



Um pequeno manual para o entendimento do mundo

Será que todos os seres humanos se questionam a respeito do “funcionamento” do mundo. Ou, se o fazem, fazem com a freqüência e consciência necessárias para achar algumas respostas e mais um milhão de dúvidas? Bem, em se tratando de um texto em primeira pessoa, vou me abster de tentar descobrir isso. Já me é difícil responder as centenas de questões que eu me faço todos os dias ou mesmo lidar com as outras pessoas e ainda comigo mesmo. Consigo mais incertezas que dúvidas, mas ao menos sei que luto contra a maré do inconsciente coletivo.
Para tudo há uma resposta, teoricamente se diria. Mas para cada resposta eu digo que vem de brinde uma dúzia de questões. Entender o mundo e entender a si mesmo não é tarefa fácil (e nem possível). Para tanto, filósofos, religiosos, psicanalistas criam teorias ou pregam doutrinas a fim de esclarecer um pouco mais essa escuridão que se chama viver.
Particularmente falando, concebo o mundo como um local simples, mas artificialmente complicado. As pessoas não conseguem entender a si mesmas, o que impossibilita a compreensão do que as cerca. Assim sendo tem-se duas insensatas saídas: culpar os outros, sejam enquanto grupo ou individualmente e fazer da convivência humana um perfeito inferno. (“O inferno são os outros”, escreveu Sartre) ou alienar-se o máximo possível se abstendo de pensar em algo mais complexo e consumir todas as teorias possíveis como se essas pudessem ser enlatadas e vendidas no supermercado. Mastigar e engolir certas pseudo-compreensões é com certeza mais fácil. Em seus personagens futuristas e alienados, autores como Orwell e Huxley recriam seres humanos completamente mecânicos como uma caricatura da humanidade tal qual se encontra agora. Nesse caso, poderia-se recorrer então a uma possível saída estratégica, que driblasse qualquer uma dessas opções? Afinal passar a vida em guerra com o mundo ou ignorando-o completamente não parecem saídas tão interessantes (apesar de serem as opções feitas pela esmagadora maioria da humanidade). Que tal uma saída baseada no auto-conhecimento e no pensamento individual, em que questionamentos fossem feitos como sinônimo de busca da sabedoria?
Voltando a minha concepção de mundo, reitero que não é possível traçar linhas ou estabelecer qualquer sistematização que possa satisfazer alguém com o mínimo de senso crítico. Não sou um pensador, mas não sou um alienado. Por que eu deveria pegar as teorias prontas e encarnar um personagem na multidão dita normal? Não que eu seja taxado de anormal, pelo contrario, mas simplesmente não me preocupo em ser mais um na multidão. Sou contra rótulos: não sou de esquerda, nem de direita. Não sou religioso, mas não sou descrente. Acredito em algo superior, mas longe da concepção que as pessoas em geral têm de Deus. Sou contra radicalismo e violência, mas defendo a liberdade a todo custo. “Um pequeno feixe de contradições”, disse Anne Frank sobre si mesma e isso se encaixa em qualquer pessoa, desde que essa esteja disposta a pensar sobre sua existência enquanto ser humano. Toda essa turbulência é interessante, mas altamente convulsiva, principalmente em um mundo de idéias prontas e pessoas ora radicais ou alienadas, mas de qualquer forma cegas (que o diga o brilhante Salman Rushdie condenado a morte por radicais islâmicos).
A liberdade de pensar e agir de acordo com a própria concepção sempre foi algo problemático e no inicio do século XXI, quando a conquista do espaço já é um fato histórico relativamente distante a conquista da liberdade se torna ainda mais distante, para não dizer utópica. A alienação e o radicalismo são pré-requisitos para o preconceito e para a discriminação. Pessoas com visões de mundo diferentes e dominadas pela coletivização do pensamento tendem a combater entre si em nome de suas idéias (suas mesmo de fato?). Como ser humano, sou dotado de preconceito. Isso é algo quase não-assumível, mas não me deixo levar além do prefixo, pois o conceito se forma depois, ignorando quaisquer rótulos externos. Eu me pergunto cheio de revolta como em nome de Deus ou em nome da justiça há pessoas que matam, oprimem, ferem e se orgulham disso. Se há algo que um ser humano pode fazer de mais baixo é humilhar, usar de violência ou matar outro ser humano seja qualquer o motivo. As pessoas veneram grandes conquistadores que encharcaram o planeta de sangue, enquanto eu particularmente os desprezo (Abro um parênteses para dizer que na Historia, o bandido ou o mocinho depende de quem vence ou de quem tem os aliados certos). Por isso Mahatma Gandhi, Martim Luther King, Lech Walesa, Nelson Mandela, Chico Mendes e tantos outros são ícones para mim. Eles provaram que lutar não precisa vir no mesmo campo semântico de “matar”.
Mas, enfim, retornando o fio do meu pensamento, que já está excessivamente tortuoso e não segue caminho algum (quem disse que eu deveria?) volto a questão primeira do questionamento sobre a vida. Ao terminar de ler um livro de Michael Cunningham, Uma casa no fim do mundo, me deparo com Jonathan que questiona por um momento a sua mãe se ela sentia em que ponto de sua vida havia uma tangente que após tomada não se teria volta? Sabemos há coisas reversíveis, mas há ocasiões em que determinadas decisões tomadas conduzem nossa existência a um caminho que se não definitivo, deixa para trás toda uma outra gama de direções que se fecham com porteiras que não podem mais ser transpostas. Essa decisão do que se fazer e a necessidade de se firmar em algo são dois paradoxos capazes de fazer qualquer ser humano entrar em desespero. Há pessoas que não fincam raízes, mas há outras que sentem necessidade disso e lutam contra a pressão da estabilidade com medo do marasmo que ela pode oferecer. Eu sou tão fincado na terra como uma jacarandá centenário, mas uma parte minha que voa tão alto que não consigo ver a olho nu. A intersecção dessas duas retas me fazem realmente mal ... Posso arrancar as raízes após um esforço muito grande ou mesmo posso alçar vôo e pousar em local seguro ... mas dentre essas duas opções escolho uma terceira: a incerteza, que me deixa mal, mas que me dá um chão temporário e movediço por onde me esguio. É nesse terreno incerto que eu vivo, aliás, que todas as pessoas vivem, mas sem perder o tempo (ou seria ganhar?) de se perguntar que direção tomar e o porquê tomar.
Como vemos ... a dura tarefa de existir não é algo tão simples assim. Se o fosse, cairia no marasmo total.




By: Carlos Eduardo de Oliveira Ramalho

Imagem: "A persistência da memória" de Salvador Dalí