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sábado, 19 de maio de 2007

Recortes


Essa semana, ao arrumar algumas gavetas. me deparei com um recorte de jornal. Eu costumava recortar no jornal tudo que me interessava e guardar em gavetas ou caixas. Depois de um tempo, esses recortes foram sendo esquecidos e amarelados. Eles permaneceram intactos, no entanto.
Especificamente falando do recorte que encontrei, reli e senti algo diferente: um sentimento estranho, algo indescritível. Era uma poesia, da poetisa polonesa Wislawa Szymborska, ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura de 1996. Esse poema, mais comtemporâneo que nunca, é profundamente real e descreve uma situação sob um foco raramente descrito. É um poema chocante e que me tocou há 10 anos quando o li pela primeira vez, tanto quanto me toca agora várias vezes após relê-lo ...


O terrorista, Ele observa


“A bomba explodirá no bar às treze e vinte.
Agora são apenas treze e desesseis.
Alguns terão ainda tempo para entrar;
alguns, para sair.
O terrorista já está do outro lado da rua.
A distância o protege de qualquer perigo.
E, bom, é como assistir a um filme
Uma mulher de casaco amarelo, ela entra.
Um homem de óculos escuros, ele sai.
Jovens de jeans, eles conversam.
Treze e dezessete e quatro segundos.
Aquele mais baixo, ele se salvou, sai de lambreta.
E aquele mais alto, ele entra.
Treze e dezessete e quarenta segundos.
A moça ali, ela tem uma fita verde no cabelo.
Mas o ônibus a encobre de repente.
Treze e dezoito.
A moça sumiu.
Era tola o bastante para entrar, ou não?
Saberemos quando retirarem os corpos.
Treze e dezenove.
Ninguém mais parece entrar.
Um careca obeso, no entanto, está saindo.
Procura algo nos bolsos e
às treze e dezenove e cinqüenta segundos
ele volta para pegar suas malditas luvas.
São treze e vinte.
O tempo, como se arrasta.
Ainda não.
Sim, agora.
A bomba, ela explode”

Wislawa Szymborska


Foto: Essa foto chocou o mundo, quando publicada na imprensa mundial por ocasião do ataque de rebeldes a uma escola em Beslan, na Rússia, no início de setembro de 2004. O rosto da mãe que observa a filha morta é tão indecifrável e profundo como o poema de Szymborska

sábado, 12 de maio de 2007

A difícil arte de crescer



Eis aqui uma coisa inerente ao gênero humano (e a qualquer ser vivo) e do qual não se escapa de forma alguma: crescer, envelhecer, aprender a viver. Salvo Peter Pan, nós meros mortais adquirimos nova idade a cada ano e realizamos um ciclo pelo qual aprendemos coisas que supostamente são importantes, somos levados a repelir outras consideradas por demais “efêmeras” e nos tornamos “mais velhos”.
Bem, esse tema hoje é providencial: Completo hoje vinte e seis anos de vida. Pode parecer pouco para muitos ou muito para alguns. Para mim, realmente não sei, já que considero relativas quaisquer medidas ou comparações. Considero o momento atual, o melhor momento da minha vida, o momento em que a minha constante lucidez se torna ainda mais clara. Um momento de repensar o passado, sonhar o futuro, mas fincar minhas raízes no presente. Agora mais do que nunca sinto o gosto da palavra “independência”, embora saiba que nenhum ser humano a tem por completo. Agora mais do que nunca pratico a cada dia o desprendimento, já que tenho a lúcida-real-pessimista visão de que as pessoas que me cercam e que me fazem bem, sairão uma a uma da minha vida e eu devo estar preparado para isso. Às vezes eu acho que crescer é isso mesmo: conseguir lidar com sentimentos e situações antes tão graves e conflituosos e conseguir se desligar facilmente de forma disciplinada. Ou seria crescer apenas um fingir ter ou ser algo que não se tem ou se é?
Hoje tomo consciência cada vez mais que os seres humanos são completamente individuais e enxergo o mundo cada vez menos coletivo. Hoje sei que um dia vou olhar para meus problemas da infância e adolescência e achá-los engraçados e que vou tomar consciência de maneira literal e material do significado da palavra “solidão”. Hoje acho todas essas palavras e reflexões um tanto piegas, mas vou senti-las realmente um dia. Acho que o momento atual, o exato momento em que me encontro agora, é um daqueles momentos em que me sinto espiritualizado, momentos que me coloco como em um plano alheio ao mundo, sem qualquer referencial e olho tudo com o olhar de alguém que nunca enxergou.
Viver realmente é muito bom, mas não é fácil e na altura dos meus vinte e seis anos completos digo que vale a pena viver e passar por tudo que passamos. Vale a pena aprender a cada dia que coisas aparentemente importantes para as “pessoas sérias”, como diria o Pequeno Príncipe, não valem nada para nós e que buscamos na verdade as coisas mais “inúteis”, pois elas nos fazem realmente sentir bem.


“Eu me pergunto se as estrelas são todas iluminadas ... não será para que cada possa um dia encontrar a sua?”, disse o Pequeno Príncipe ao homem adulto no deserto.


Seria crescer ir em busca da nossa estrela?
Sendo assim, isso justifica eu adorar tanto contemplar o céu à noite ...

domingo, 6 de maio de 2007

Em busca da terceira margem


Uma simples leitura do conto “A terceira margem do rio” de Guimarães Rosa abre um leque de milhões de possibilidades de análises e comentários a serem considerados. É algo brilhante, único. Confesso de antemão que não pretendo fazer nenhuma análise com base em teorias ou na crítica literária tradicional, visto que a profundidade da obra de Guimarães me levaria a um mundo inteiro de análises em cada mísera palavra metodicamente colocada por ele. Sendo assim, faço valer meu sangue da grande bota e declaro anarquia à ditadura da crítica, adotando o meu método de observar o texto. Aliás, criar seu próprio mundo e se guiar segundo sua própria visão de universo é um tema central nessa pequena história.
Eu sempre me perguntei qual seria essa tal de terceira margem do rio. Esse local além do conhecimento geográfico em que se posta o pai em busca de algo dentro de si mesmo. Dentro da canoa ele não aporta em nenhuma das duas margens e se fecha em si mesmo com que buscando se auto-conhecer. Ele se transporta a um universo paralelo onde uma terceira margem transcendental se instaura. Uma margem profunda que se não se limita com nada e que não consta nas cartas hidrográficas. Uma margem em que nós somos nós mesmos e caminhamos em direção ao nosso eu mais profundo, um local onde a leveza do ser é perfeitamente sustentável (que me perdoe Kundera).
Eu, particularmente, sigo sempre em busca de uma terceira margem, não para aportar, pois isso seria inconcebível, mas para “estar”. Transcender o previsível da existência não é um trabalho fácil e digo mais: é uma tarefa para poucos ... a terceira margem, margem profunda é bem difícil de se atingir e a maioria acaba sempre aportando sua canoa na margem direita ou esquerda: é preciso mergulhar fundo e permanecer firme, a terceira margem deve ser conquistada e uma vez transcendida, descobre-se o maior segredo que envolve a existência humana, que não é nada mais que viver.

Link para o conto “A terceira margem do rio”:
http://www.releituras.com/guimarosa_margem.asp


Foto: Fim de tarde às margens do Rio Grande, bem aqui na minha terrinha, Guaraci-SP