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domingo, 7 de outubro de 2007

Os Ombros Suportam o Mundo


O que fazer quando se quer escrever algo para postar e a inspiração não vem, aliada ao calor de outubro? Bem, procura-se um grande autor e coloca-se na íntegra um poema ou conto o qual se tenha afinidade. Nesse caso, o espaço não poderia ser melhor aproveitado que com um poema de Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas lusófonos de todos os tempos. Eis então um pedaço de sua criação:


Os Ombros Suportam o Mundo


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor.

Porque o amor resultou inútil.

E os olhos não choram.

E as mãos tecem apenas o rude trabalho.

E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.

Ficaste sozinho, a luz apagou-se,

mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.

És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?

Teu ombros suportam o mundo

e ele não pesa mais que a mão de uma criança.

As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios

provam apenas que a vida prossegue

e nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo,

prefeririam (os delicados) morrer.

Chegou um tempo em que não adianta morrer.

Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.

A vida apenas, sem mistificação.


Carlos Drummond de Andrade

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