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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Minha aldeia



Antigamente, tinha medo de perder os vínculos com minha aldeia, tinha medo de deixá-la e de não pertencer a lugar algum. Minha aldeia era para mim, única no mundo e nenhuma outra poderia jamais tomar o seu lugar. Por minha aldeia passam rios e esses eram para mim os limites do lugar que chamava meu.

A minha aldeia ainda é a mesma e eu ainda vivo na minha aldeia. Eu, porém, não mais pertenço a ela ou a aldeia alguma e o rio que nela passa, passou a ser apenas um rio. O sentimento de não-pertencer, ao contrário do que pensava, não me é ruim, ele removeu minhas fronteiras e arrancou minhas raízes do chão. Ao aprender a lidar com esse sentimento, me inspirei a seguir com os ventos. Pena que os ventos da minha aldeia não me tenham deixado velejar a lugar algum...


A minha aldeia será sempre minha, mas eu, não serei nunca mais, parte dela.


Eu me inspirei em um magnífico poema do maior dos maiores, Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Alberto Caeiro, que segue abaixo:


O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

Imagem: Summer (Verão), de Edward Hopper  (1926)

5 comentários:

Lenin Araujo disse...

Sou um habitante do universo!

Márcio disse...

Esplêndio o seu texto! evocou em mim mágoas há muito tempo escondidas. Há quanto tempo não pertenço a minha aldeia? Ela sempre vai estar lá, eu não... alcei voo para novas aldeias e como o Lenin disse: Descobri que sou um habitante do universo. E posso dizer agora mesmo que não completamente, que estou feliz onde me foi proposto sobreviver. "Carlos a vida tem um jeito engraçado de resolver as coisas".

Concha Rousia disse...

Uma boa reflexão, eu já tenho escrito tb sobre minha aldeia, mas eu digo que eu vivi nela e agora ela vive em mim, e levo-a onde quer que eu for, bom sempre ler ao Pessoa, abraços desde a Galiza, Concha.

Ana disse...

Amigo Carlos,
Passei para desejar-te um Natal de Luz e felicidades....Um Abraço

Unknown disse...

Corri para esse blog por acaso quando se olha através de perfis no postcrossing.com. Logo quando eu cheguei aqui eu gostei deste blog! É muito bom e escrito com um senso de D. Eu também executar um blog, você pode acessá-lo clicando neste link. É realizado em polonês, mas não há uma opção para traduzi-lo. Atenciosamente e convida a todos :)
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CUBA DE POLONÊS: D