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sexta-feira, 20 de abril de 2007

O papel em branco ...


O papel em branco ...

Eu me incumbi de escrever um novo texto a ser postado essa semana ... me deparei com a folha em branco (na verdade, tela em branco) e com a cabeça sem idéias sobre o que escrever. Pensei: Meu Deus! Se para um mero texto a ser postado já surgem a dúvida e a necessidade de inspiração, passo a admirar ainda mais os grandes escritores pela sua genialidade e persistência. Que o digam Guimarães Rosa com sua prosa-poética, Fernando Pessoa e seus heterônimos ... Deus do céu! Eles eram realmente gênios! Alguns seres humanos deveriam ser definitivamente imortais ...


"Contemplo o lago mudo"


Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece,
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.

O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo.
Não sei se sou feliz
Não sei se desejo sê-lo

Trêmulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?

Fernando Pessoa, ele mesmo (em 14-08-1930) in: "Mensagem"


Citando Fernando Pessoa, me lembrei de um poema magnífico dele, daqueles que não se sei explicar a razão, mas mexem profundamente comigo ... confesso que mesmo na faculdade nunca fui um grande amigo da poesia em si, mas alguns poemas são magnificamente compostos e a despeito de qualquer análise ou teoria conseguem tocar a alma de quem o lê (que me importam o que dizem os críticos a respeito)
Ao ler esse poema pela primeira vez me senti transportado a um outro lugar ... não vi nada daquilo que as teorias me pediam para ver, só me enxerguei ao longe ... como se observando a mim mesmo. Não sei descrever o que vi, mas me senti bem, como se o conceito abstrato de felicidade não mais significasse, como se ele nem mesmo existisse. E contemplando o lago mudo, vou construindo meu próprio mundo, de sonhos e realidade, mas meu mundo onde a felicidade tal qual foi até hoje perpetuada é persona non grata ... onde ser feliz pode ser simplesmente nada e não tudo ... caindo no lugar comum, onde a felicidade realmente estão nas pequenas coisas do dia-a-dia ... e aí que me vejo contemplando o lago mudo e sentindo a brisa soprar ...


E o papel em branco deixa de existir ... isso me dá uma leve sensação de felicidade!

By: Carlos Eduardo de Oliveira Ramalho

2 comentários:

Edmilson Borret disse...

Cara, esse seu texo está ótimo!!! É simples, sincero e direto. Vc me mandou um recado se dizendo meio vazio após tê-lo escrito, como se vc não tivesse conseguido dizer tudo o que queria. Acho que essa sua preocupação (por mais válido que seja nosso desejo de lapidar um texto e as palavras) não procede.

No meu blog, postei recentemente dois textos em que falo justamente sobre a tarefa de escrever ("Por que, por quem escrevo" I e II), ambos recheados de citações. Cito duas: uma de um antigo copidésque d'O Estado de São Paulo que diz que uma "lauda em ranco aceita tudo"; outra de Sofocleto que dizia que escrever era "uma maneira de falarmos sem que nos interrompam". Ou seja: o papel em branco é seu e, se vc for sincero e correto em suas palavras, a beleza delas brotará, a despeito de toda e qualquer crítica. É assim que encaro a coisa toda. Pode ser que eu esteja sendo meio "poliana", sei lá.

Quanto a sua comtemplação diante o poema do Pessoa, bravo pra vc mais uma vez!!!!!! É justamente isso que a poesia e a literatura em geral pede da gente: para além de toda discussão crítica e toda exegese. Aliás, se vc pensar bem, essa sua postura diante o citado poema vai ao encontro do que pregava um dos mais queridos heterônimos do Pessoa, o Caeiro: aquele a quem todos os outros chamavam de "mestre", justamente por essa postura contemplativa que ele tinha diante das coisas da vida, sem a preocupação cerebral ou racional. É ele mesmo que diz em Segue o teu destino: "Os deuses são deuses porque não se pensam".

Meus parabés, meu rapaz! Sua escritura é uma delícia!!!!

Um grande abraço!

Pedro Vasconcelos disse...

Muito bom o texto. Realmente, as vezes na vida agente se depara com uma tarefa simples, e quando agente percebe, não da conta de executa-la. Mas isso é normal do ser humano. Se não fosse assim a vida nao tinha graça. rsrs.
Até Mais